Ele
perambulava pela cidade como um fantasma, um andarilho da noite, filho da
escuridão. Era difícil ser notado naquele inverno, normalmente era de se
esperar que todos estivessem em casa nas suas camas vivendo aquela mesma
rotina, mas ele sentia a dor e não era notado com facilidade. Às vezes ele
sentia como se estivesse acompanhado de outros, tantos outros que poderiam ser
iguais a ele, mas era apenas um achismo qualquer de um ponto de vista nada
convencional.
Já
havia decifrado toda a cidade, aqueles caminhos tortuosos e a noite sombria
pareciam ser seu habitat natural e realmente ele aquelas lembranças o visitavam
constantemente, lembranças de algo que ele não havia vivido de coisas que ele
não tinha visto ou sentido.
Constantemente
aquela cena pairava na sua cabeça. Ele e a garota, a garotinha da outra cidade
que o visitara todos os verões, ela era alegre e o fazia esquecer toda a dor
que sentia o fazia sentir mais feliz, mais completo. Ele ainda conseguia ver
ela o indagando:
–
Por que está com tanta dor? – ela o olhava com uma fascinação e alegria que
jamais outra pessoa havia olhado para o garoto.
–
Não sei – o garoto disse secamente já que não era acostumado a conversar com ninguém,
já era esperada essa resposta vaga mais ele ainda pensava no que realmente
dizer a aquela garota.
–
Você mente e mente muito mal. – em seguida soltou um longo sorriso e logo
continuou a dizer – Eu reparo em você, sei que não é como os outros e isto me
fascina mais um conselho acho que seria bem vindo a ti. Não se feche para o
mundo ou algo do tipo.
–
Algo do tipo? O que você sabe sobre mim? Quem é você? – ele estava perplexo,
não sentia nada. Pela primeira vez a dor havia sumido e outros sentimentos o
preenchiam.
–
Sim pare de observar, viva um pouco. E obvio não ache que as pessoas o notarão
mais saiba que pelo menos uma parcela destas irão observá-lo assim como você os
observa. Não pense que você é o único a ser o invisível.
Aos
poucos ele ia parando de divagar e via novamente as calçadas, os carros, as
estrelas e a solidão. Permitia-se ir para esse lugar, esse estranho lugar que
já havia dado o nome de lembranças não vividas. Agora ele já não via mais a
garota conversar. Era apenas ele soltando um daqueles discursos que realmente
chocariam as outras pessoas:
–
Você finge ser tão sábia, brinca com os sentimentos dos outros os expondo tão
claramente e facilmente. Não tem vergonha de ser mais uma, mais uma daquelas
que não se manifestam, daquelas mesmo que não dizem sim nem não apenas
calam-se.
–
Interessante você começar a dizer algo, interessante você dizer algo mesmo que
isto seja tão ridículo quanto nós.
–
Não existe nós! Existe?
–
Garoto eu sempre estive aqui, sempre estarei até porque sou sua. Venha e veja o
que posso fazer. – a mão desta estava inclinada em direção ao outro que por
sinal antes mesmo de pensar enlaçou a outra mão nesta primeira.
–
Sem dor, medo é só o que peço. – era o que ele procurava não sentir mesmo que
por um momento e realmente era o que ela fazia.
Outra
vez ele voltou os olhos para a calçada e decidiu ir para casa, mesmo que sua família
não estivesse lá o quarto o acompanharia nesta estranha existência. Mais ele
não conseguia manter facilmente ali, naquela realidade tão dura e em uma
piscadela rápida ele já se encontrava lá.
–
Onde estamos?
–
Em você, alias esqueça, não pense apenas sinta.
Ali
os prédios eram não eram tão cinzentos, as pessoas não eram tão coloridas, pelo
que pareciam eram tem todos cinzas, pareciam ser todos irmãos, filhos da escuridão.
Num suspiro forte ele abriu os olhos e viu seu corpo tremer enquanto já estava
na porta de sua casa. Pegou a chave e apenas virou-a na porta num ato mais que automático.
Entrou
e fechou a mesma com o puro método da inocência. Seguiu firmemente para o quarto
e quando estava ao pé da cama simplesmente viu-se com ela outra vez. Eles
estavam num brinquedo de parque e por um segundo e não mais ele sorriu.
–
Viu não é tão difícil assim ser feliz, se deixe ser vulnerável às vezes. É importante
se entregar!
–
Mais isso não é real, são apenas pensamentos.
–
Se você sente é real, se você sorri é real. Se você esquece a dor é real.
–
Não, não é e eu não posso continuar aqui ainda mais com alguém que não conheço.
–
Você está preso em si mesmo nem assim consegue entender o que sou – Aquela
gargalhada em meio às palavras ditas fizeram com que o brinquedo parasse e ele
pudesse ver onde estava.
Era
a mesma cidade, só que agora ele não era cinza, ele era colorido e a garota
também. As coisas pareciam muito invertidas e não era o que ele pretendia fazer
ao certo. Apenas escapar da realidade às vezes seria bom, mais isto já se
tornara inaceitável e a garota bom, ela continuou a dizer:
–
Sou sua amiga, sou seus pensamentos mais ocultos, a diversão ou maldade o que
quer que seja eu sou seus desejos escondidos.
–
Não entendo nada. Tire-me daqui e me traga a realidade de volta.
–
Não posso você não quer.
Num
suspiro mais fundo ele pode observar o seu quarto novamente. Com o folego quase
ao fim começou a se debater na cama e a voz dela ressoou estranhamente alto.
–
Venha comigo!
Ele
não conseguia dizer mais nada, apenas tentava respirar desesperadamente. Seu
corpo foi perdendo a sensibilidade e agora sentia ao fundo o coração bater e
apenas a ouvia dizer:
–
Você é meu e eu sua. Não vê eu te beijei, agora as sombras se tornaram você e o
seu mundo tornou-se real. Está realmente preso em si.
Sua
respiração parou, ele já não escutava o coração bater e em um ultimo momento
conseguiu abrir os olhos, mas já era tarde de mais, as sombras já o tinham, a
garota já o tomara, seu corpo tornou-se mais leve naquele lugar e agora pode
dizer finalmente o que sentira.
–
Você demorou a me buscar querida – o sorriso era inegável, ele voltara a sua
origem, ao seu mais sutil sentimento, a dor. Esta se tornou maldade e agora bom
ele sabia que aquele mundo era apenas dele.