Pesado

                Seu corpo passa pesado sobre o meu e não estamos brigando, na verdade é só a sua forte presença ocupando todo o espaço. Meio sortido ao álcool eu me entrego, não que seja algo extremamente carnal, me conecto e reconecto minha alma na sua. Aos poucos estou dando sorrisos bobos e sendo o garotinho infantil e inseguro que sempre fui. Não estou na cama, não estou abraçado a ninguém. Estou ao seu lado naquele imenso mundo, brilhante por si só.
                As árvores de uma cor azulada, laranjada e o chão de um verde tão intenso. Estamos à cima das dunas deste mar verde. O vento passa puxando cada fio de grama, de um lado ao outro. E quando fecho os olhos o meu corpo se ergue, enverga forte pondo os meus cabelos para cima deixando com que eu flutue sobre as montanhas. Aqueles velhos penduricalhos de minha casa de praia são os frutos das arvores, as gaivotas sussurram a verdade por cada canto do céu. O grande céu azulado celeste.
                E você ali de baixo, observando o meu eu mais puro e inocente, puxando pouco a pouco o meu mundo pra dentro de você. O piscar de meus olhos o traz para cima e em pouco tempo estamos dando rodopios rápidos e intensos sobre o céu, furamos as nuvens e mergulhamos nas crateras calmas dentro do mar.
                Mas é pesado estar com você! O meu mundo perfeito acaba aí, os meus prédios cinzentos se erguem aos montes, o medo intimo de minha alma se revela ao mais tênue toque de seus dedos. Meu sussurro se torna grito e o teu abraço não parece ser mais um lugar de descanso, se torna uma prisão. Nós ali sobrevoando aquela terra prometida, dos animais dóceis da minha inocência, às esquinas rudes e perversivas de um próprio eu mantido lacrado em volta de sete chaves.
                Estamos abraçados, erguendo o corpo para cima e para cima, vamos ultrapassar estes mundos, não vamos nos dividir. Você se perde e meu mundo, rouba as chaves dos meus prédios e ali começa a habitar, quando desço aquelas esquinas ainda sou quente, peso forte como uma tonelada de ferro e sou másculo, duro como uma pedra e com traços fortes e afiados. Pareço um homem-deus, quase uma fera dos céus. Ando nu a sua procura e desfaleço por entre cada personalidade de meu inconsciente. Não possuo apenas um mundo, este é só mais um e o meu desespero abre portal a portal, arranca de meu peito um peso e sopra com o ar quente dilacerando músculo a músculo.

                Na verdade é você beijando a minha nuca, não posso ser inocente, a própria coisa dócil já não mais se satisfaz com o meu mundo de perversão. E agora eu não crio mais nenhuma expectativa, pisco os meus olhos de forma frenética enquanto ponho teu braço por cima de meu peito. Sou perversivo, sou pesado. Meu mundo não é verde! Não mais, agora sou escuro, como uma fera perdida em meus próprios pecados, sendo eu o pecado maior.

Desespero


                Nossos corações começaram a bater mais forte e finalmente eu perdi o controle. Corria por entre as ruas e nada sentia, não conseguia dizer  uma mera palavra e todos ao meu redor perdiam a cor. Estava num mundo cinza, daqueles em que você parece ser sempre o centro das atenções e não no lado positivo da questão, sim naquele lado onde todas as coisas dão errado ou caem sobre você como uma chuva de meteoros.
                Quanto mais corria maior era o caminho que tinha de percorrer, meus sonhos e desejos se afastavam ainda mais, um nó na garganta se fazia pesado. Estava a ponto de ceder, ajoelhar e rogar para que os anjos me tomassem, mas o orgulho inútil que só me tomava junto ao desejo do descanso.
                A busca era incessante, eles se afastavam, essas pessoas que eu procurava agora pareciam deixar de existir. Na realidade pareciam se afastar de qualquer coisa e cada vez mais o parecer se tornava concluso e afirmativo. Não entendia a reação do tempo sobre mim, não entendia a reação que as pessoas faziam a partir de mim. Não quero impacto, não quero mais perversão, aliás nem tão pouco busco sublimação da alma ou algo do tipo.
                Eu só quero o tempo.
                ... Eu só quero o tempo.
                               ... Eu só quero o tempo!
                Quero fechar os olhos e estar em locais diferentes, quero fluir por entre as veias de cada ser, quero ser único e necessário, não vou fazer impacto, serei a própria catástrofe mas não irei  caricaturizar o que sou ou o que buscaria ser. Na verdade estou desesperado para me tornar aquilo que perdi e aquilo que ainda serei. Sempre dúbio.

                Eu só quero o tempo.
                ... Eu preciso do tempo!
                .              .              . Eu...
                Meus pés se cansam e não corro mais, me deparo frente a frente com algo novo, o algo novo. Não ninguém diferente, nem mesmo uma personalidade relutante em meu subconsciente, mas sim o novo eu tomado pelo pulsar do peito de todas as pessoas. Neutro, sem posição adequada ou inadequada. Já não sou dúbio, não procuro funcionar em mais de um momento, sou como um relógio verdadeiro que aos poucos com o seu toc-toc faz com que alguns pulsares se tornem mais fortes e outros se desfaleçam se tornando parte de mim mesmo.

                                               ... Eu sou o tempo.

Tempo