A cidade me
parece algo simplesmente inexplicável. Os sons que por ela passam me chamam
toda a atenção e as luzes de todos os postes e das casas acessas por noite a
dentro. É reconfortante ver da minha janela todas essas luzes acesas, tão reconfortante
que por um segundo fecho os olhos e ouço o som do meu computador tocar e parece
que aí sinto uma inevitável e estranha segurança.
É a tristeza
que todo esse imaginário me faz reconfortar. Uma sensação completamente
diferente de todas as outras, é como uma droga que me faz ser menos humano mas
é uma droga que preenche todos os meus poros. O cheiro da noite invade o meu
cérebro e a música do computador me faz deslizar para o quarto. Sei no entanto
que as luzes me observam mas o meu corpo não pode parar. Sou perverso e sei que
de alguma maneira irei pagar, minha essência é pragmática e não posso querer as
coisas assim, sem comprar e não pagar.
As minhas
pernas deslizam por todo o quarto e os braços vão para cima, balanço
vergonhosamente o meu corpo que é disforme segundo todas as leis do meu mundo.
Me aceito e mesmo assim me condeno, é estranho saber que os próprios
julgamentos que faço a mim são tão falhos que nem no mundo exterior todas as
pessoas conseguem aceitar porém eu, perdido e no silêncio de todas as dimensões
balanço o meu corpo sabendo que acredito em padrões pequenos e bestiais.
Ainda não
esqueço que quero todas essas luzes olhando pra mim, mas tenho realmente um
medo pesado de que um dia qualquer estarei aqui de pé, com a música tocando,
enchendo todos os meus poros com o ar da noite mas sem elas para me assistir.
Estas luzes representam todo o silêncio de todas as coisas as quais fugi, é o
meu próprio mundo e mesmo assim tenho certeza de que todas uma hora ou outra
vão parar. Se serei eu a desligar todas as luzes e parar de me colocar no
centro de meu próprio mundo eu não sei. Se serei eu a sublimar de maneira a
transcender as minhas próprias construções e leis, que de volta trazem o meu
corpo para um mundo inventado eu também não sei.
O que ainda
não consigo parar de me submeter é manter a contagem enquanto balanço as minhas
pernas e meus braços. O que não posso parar ainda de fazer é de me sentir dono
próprio mundo, sei que uma hora ou outra ele vai mudar, eu sou o meu próprio
Deus no meu mundo e esta é a clara arrogância de todas as minhas palavras
podres e secas até aqui. Fato é que lá o outro Deus, o meu e o de todos os
outros, domina tudo e mais, lá sou mais um participante de todo um grande
reality. Já no meu mundo eu sou próprio show, a criação é a minha manifestação
mais pura e o meu respirar é a contração entre o real e o meu próprio
imaginário.